Você já parou para pensar porque entre tantos brinquedos e bichinhos de pelúcia algumas crianças escolhem um específico para ser o grande companheiro? Seja na hora de dormir ou brincar, ou em momentos de tristeza, frustração, raiva, algumas crianças recorrem a seus bichinhos de pelúcia de estimação para receber conforto, e chegam a traçar diálogos com perguntas e respostas que parecem muito reais e que podem transmitir calma e aconchego.
Meu confidente seguro
O relacionamento entre criança e o bicho de pelúcia torna-se tão próximo, com laços tão firmes, que muitos pais e mães tremem só de pensar na possibilidade da perda daquele objeto. O bichinho de pelúcia pode ganhar status de amigo, amuleto ou grande companheiro. Por meio de diálogos imaginários, a criança mostra e expõe sentimentos que às vezes ficam guardados diante de pais e professores. As conversas, na realidade, são diálogos internos da criança consigo mesmo, e podem demonstrar angústia, medos ou dúvidas. É a forma da criança criar um laço afetivo com o bichinho dela. Uma forma de se comunicar com segurança.
O psicanalista Donald Winnicott foi a primeira pessoa a escrever sobre o tema “bichos de pelúcia” com sensibilidade. Em um artigo da década de 1960, ele descreveu o caso de um menino de 6 anos (que era tratado de forma ríspida pelos pais), que disse “ninguém me entende melhor do que meu coelhinho”.
E quando a gente cresce?
Parando para analisar, percebemos que quando crescemos – já na adolescência – deixamos de lado nossos bichinhos e começamos a falar sozinhos. Alguns adultos sentem-se à vontade ao conversar com o espelho, outros falam sozinhos no carro, ou durante o banho. Também criamos estratégias como escrever diários, ou simplesmente rabiscar palavras em caderninhos que passam a ser os nossos bichinhos, de tão apegados que ficamos a eles. É como se, ao falar ou escrever, conseguíssemos expor de forma mais fácil nossos sentimentos, organizar pensamentos e ter “alguém” para dividir. É como se alguém imaginário estivesse nos ouvindo e respondendo. Mas esse alguém somos nós mesmos.
Muitas crianças sentem-se mais abertas e confortáveis com seus bichinhos de pelúcia. Como se eles trouxessem respostas a dúvidas e sentimentos. Em seus estudos, Winnicott destacou que o bem estar mental depende de como lidamos com nossas vozes internas. E que essas vozes podem ser mais ternas, que podem nos perdoar e dar esperança, promovendo uma sensação de segurança.
A personalidade que foi criada para o bicho de pelúcia e as “respostas” que ele dá às crianças podem refletir muito o que elas estão sentindo ou necessitando em determinado momento. Mas é importante que pais e responsáveis estejam atentos ao isolamento social das crianças frente à relação com seus bichinhos. Brincar, dormir, conversar com os bichos de pelúcia são atitudes saudáveis e fazem parte de um processo de autoconhecimento, crescimento, descobertas e fortalecimento. Mas é preciso estar atento se a criança começa a preferir o isolamento, se prefere estar somente com seu bichinho a estar entre amigos e família.
Um outro ponto importante é que o adulto não deve menosprezar o relacionamento entre criança e bicho de pelúcia de estimação. Não deve tratar a relação como se o bicho fosse apenas um brinquedo entre tantos outros. Ou ainda, infantilizar as atitudes da criança frente ao seu bichinho. Ao mesmo tempo, não deve supervalorizar a relação a ponto da criança tornar-se dependente do bichinho. Além disso, não é obrigatório ou regra que toda criança desenvolva esse tipo de relação tão próxima com algum bichinho de pelúcia. Ou seja, se você teve o seu, seu filho pode não ter. Cada um é único, e nós adultos devemos respeitar essas diferenças.
Uma ferramenta de pelúcia
É preciso entender que os bichos de pelúcia de estimação são meios pelos quais conseguimos verbalizar ou demonstrar sentimentos e, também, uma forma inicial de cuidarmos de nós mesmos, ainda que não tenhamos essa percepção. Todos nós precisamos de diálogos internos. Mas as crianças ainda não conseguem estabelecer esses diálogos de forma isolada. Por isso, elas precisam do apoio do bichinho de pelúcia. O que a criança necessita, na verdade, é de cuidado e de autocuidado, que é feito por meio dos bichinhos, porque elas ainda têm dificuldade de definir e lidar com seus sentimentos. E os bichinhos acabam tornando-se as ferramentas iniciais por meio das quais eles cuidam de si mesmos.